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sábado, 16 de outubro de 2010

Exemplificando a reportagem

Gente & História: Silvana Bianchi

Chef do Restaurante Quadrifoglio. Abandonou tudo para cuidar dos netos, Sean e Chiara, depois que sua filha, Bruna, morreu. 

     Silvana Bianchi, 60 anos, é tranquila. Fala pausadamente, não eleva a voz. Simples - unhas sem esmalte, cabelos curtos, nenhuma maquiagem, a vaidade refletida apenas em pequenos brincos de brilhante -,afirma só ter um compromisso na vida: zelar pelos filhos da filha, Bruna Bianchi, que, há quase dois anos, morreu de hemorragia, no Rio, aos 34 anos, após dar à luz Chiara (que fará 2 anos no domingo, 22). Para acompanhar o crescimento dos netos, afirma, lutará até o fim. A menina mora com ela, os brinquedos espalhados indicam que a casa da avó é o seu pequeno reino. O menino, Sean, 10, o pai biológico, David Goldman, 44, levou para os Estados Unidos há oito meses, após longa batalha judicial.

     Serena, Silvana analisa a situação recorrendo a documentos que, guardados numa caixa, dividem o espaço da sala com os brinquedos de Chiara. ''A mesma Convenção de Haia, que tirou Sean do Brasil, obriga o senhor Goldman a permitir visitas da família brasileira. Mas a Justiça americana ignora a Convenção e nos proíbe de vê-lo. Isso é um desrespeito ao menino, a mim e ao Brasil.''

     O drama de Silvana - que já foi proprietária e chef do Quadrifoglio, um dos mais conhecidos restaurantes cariocas - começou na noite em que Chiara nasceu. Recordar a tragédia que desaguou na morte da filha traz lágrimas, logo controladas, aos olhos da mãe. ''Senti que amputaram uma parte de meu corpo.'' Após os primeiros dias de pesadelo, a constatação da impossibilidade de cuidar dos dois netos e de um restaurante. A casa, da qual tanto se orgulhava, foi vendida. Ela lamentou, mas as crianças a incentivavam a viver.

O mais próximo da normalidade
     A avó paterna de Chiara, Ana Lúcia Lins e Silva, mudou-se para o apartamento ao lado, num condomínio no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. As duas, o pai de Chiara e padrasto de Sean, João Paulo Lins e Silva, 36, o avô, Raimundo, e o tio, Luca, 31, tentaram manter a vida o mais próximo possível da normalidade. Aluno da Escola Parque, frequentada por crianças da classe média alta, Sean também ia à praia, ao cinema, jogava futebol com os amigos, passava os fins de semana com os avós em Búzios ou com João Paulo, a quem tratava de ''pai'', em Angra dos Reis.

     Mas a vida reservava novas dores para os Bianchi. Tão logo soube do falecimento de Bruna, o pai de Sean, que há quatro anos tentava na Justiça a guarda do menino, veio ao Brasil. Apoiada em documentos retirados da caixa, Silvana se defende das acusações que sofreu a partir daí. David Goldman garantiu que Bruna fugiu com o filho dos Estados Unidos. Silvana apresenta o documento assinado por ele, em 17 de março de 2004, permitindo o embarque da mulher e do filho. Goldman lamentou que os cartões enviados não foram entregues ao menino.

     Silvana retira da caixa dezenas de cartões, com os envelopes abertos, e afirma que Sean os recebeu e leu todos. Goldman jurou que a família de Bruna impedia-o de visitar o filho. Silvana apresenta a troca de correspondência, datada de 2 de setembro de 2009 e realizada através de advogados, em que ela e o marido se oferecem para pagar a passagem e a hospedagem do pai de Sean para ele e o filho se encontrarem.
Goldman afirmou que a família Bianchi não o deixava conversar com o filho. Silvana apresenta uma conta telefônica, de um só mês de 2006, com 116 ligações entre o telefone de sua casa e o de David Goldman.

Urgentemente, deveriam devolvê-lo
     A história é sabida: virou um show de refletores e de interesses. Até Hillary Clinton, secretária de Estado americana, apelou para o Brasil devolver Sean ao pai. Assustada com a repercussão do caso, Silvana solicitou a interferência de um psiquiatra para o menino manifestar a sua vontade. Ao médico, Sean confessou a vontade de permanecer no Brasil, ''com a minha família e a minha irmã''. Entre acusações de parte a parte, chegou o momento em que, baseado na Convenção de Haia, da qual o Brasil e os Estados nidos são signatários, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, decidiu que o pequeno brasileiro, nascido em Nova Jersey, fora mesmo retirado de seu pai biológico.
Urgentemente, deveriam devolvê-lo. A decisão aconteceu em 22 de dezembro de 2009. A sentença estabeleceu que, até o meio-dia do dia 24, Sean deveria estar com o pai no consulado americano, no Rio de Janeiro.

     Novamente, Silvana Bianchi controla as lágrimas teimosas. ''Ninguém imagina o quanto doeu ver o Sean sair de casa chorando, vomitando de medo e de nervosismo. Com apoiodo governo, um brasileiro, cidadania que herdou da mãe, averbada por um cartório do Brasil, foi retirado do país, sem passaporte. Os passaportes de Sean, o brasileiro e o americano, foram sequestrados pela Polícia Federal. Por que, se tudo, como afirmam, aconteceu legalmente?''

     A viagem, em avião particular, rendeu enorme audiência à rede de televisão NBC, que alugou o jatinho e conseguiu a exclusividade da história, uma tragédia transformada em show. Depois disso, ninguém, nem Silvana Bianchi, conseguiu receber notícias de Sean. Apenas quatro vezes, em inglês e seguindo um roteiro estabelecido por Goldman, a avó falou com o neto. ''Uma conversa burocrática, mas pela voz dele falando ‘alô’,senti-o triste.''

Presença dos avós brasileiros
 
     Em março de 2010, a viagem realizada aos Estados Unidos para ver o menino terminou num tribunal de Nova Jersey, onde os dissabores não se resumiram apenas à negativa da visita. Ofendidos e humilhados pela advogada de Goldman, com a complacência muda do juiz, Silvana e o marido nem pelo telefone chegaram a contatá-lo. Apesar de o psicólogo americano, que cuida da adaptação de Sean, aconselhar enfaticamente a presença dos avós brasileiros. Agora, em 31 de agosto, o advogado Sérgio Tostes vai representar a família no Tribunal de Nova Jersey, quando a Justiça americana vai autorizar ou não a visita dos avós. ''Eu não viajarei antes de me permitirem encontrar Sean. Nos Estados Unidos, já me maltrataram o suficiente.''

     Por ela, muita água ainda rolará debaixo da ponte. Sua decisão é, sempre, assegurar-se de que o neto se sinta feliz: ''Lá ou aqui, com o senhor Goldman ou conosco. Não importa onde ou com quem. Onde Sean afirmar querer morar, concordarei. É a vontade dele que importa. Eu preciso saber que Sean está bem na escola, de saúde, que recebe os cuidados necessários, é acarinhado e amado. Sou a avó, mãe da mãe que morreu. Tenho os meus direitos e eles serão respeitados. Até o último minuto da minha vida, lutarei por isso''.

     Para tentar não enlouquecer - segundo Silvana, a pressão é tanta, tantos foram os acontecimentos dramáticos, que ela tem a impressão de viver uma ''metarrealidade'' -, sua rotina é simples: internet, conversas com advogados, visita aos amigos do condomínio - ''são maravilhosos'' -, compras para casa, raros fins de semana em Búzios. Há pouco, aceitou um convite da chef italiana Luiza Valazza e cozinhou durante dois dias num hotel da praia de Copacabana. ''Foi bom recordar.''

     Silvana Bianchi, uma leoa, transformou a sua vida numa luta pelo bem-estar dos filhos da filha que perdeu: ''As crianças, ela e eu somos um só coração. O meu não descansará enquanto não existir a certeza de que Sean é feliz e mora onde quer. Se Bruna já não pode protegê-lo, protejo-o em nome dela''.

Chef, geógrafa, historiadora, tradutora, ''mamma'' e ''nonna''



  Sua filha, Bruna, com Sean no colo em 2007, no Brasil. Ao lado, Silvana em meio aos brinquedos da neta, Chiara, na sala de seu apartamento, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro.
 

     Silvana Bianchi é paulistana, filha de italianos. Sua formação em gastronomia não é acadêmica: aprendeu tudo com os pais, Dina e Silvano Bianchi. O casal preparava pessoalmente as massas servidas aos três filhos. Apesar de formada em geografia e tradutora de italiano, nunca se imaginou em outra profissão: adora cozinhar. Inaugurar o Quadrifoglio, um restaurante que, há 25 anos, apresentou aos cariocas a moderna cozinha da Itália, foi o destino anunciado. Orgulhosa de seus temperos, ela ainda se surpreende quando lembra a sua especialidade mais original: ''Papel comestível. Descobri o início da receita, à base de Aloe Vera, há cerca de seis anos, num encontro mundial de chefs, na Espanha''.

     Após tantos sustos, a cozinha virou um paraíso perdido. Silvana desanimou das aventuras culinárias e só se arrisca a enfrentar o fogão quando viaja para Búzios e esquece, um pouco, o estresse do Rio de Janeiro. ''Lá, volto a servir meu peixe com ervas, minhas moquecas e doces. Sou gulosa, adoro doces.''

     Fluente em italiano, ela resolveu estudar grego após ser avó. ''Estou no 5º ano primário, já falo e escrevo bem'', brinca. Hoje, devido às reviravoltas de sua vida, as aulas se resumem a duas horas semanais, via Skype: o professor mora em Atenas, mas o computador dela tem um teclado com o alfabeto necessário. Quando viaja à Grécia, o povo se espanta ao descobrir que a turista brasileira comunica-se com facilidade. ''Os gregos se emocionam, sempre ganho presentes. Um dia, passarei alguns meses lá para aprofundar os meus conhecimentos'', planeja.

     Criada numa família unida e feliz, Silvana - quando Bruna tinha 9 anos e Luca, 6 -, morou em um prédio de três andares, que dividia apenas com os pais e os irmãos. Livre da preocupação de aborrecer os vizinhos e pretendendo alegrar os filhos e sobrinhos, comprou um filhote de leão, que lhe foi oferecido em Copacabana. O animal dormia em sua cama e virou a alegria da criançada. Mas, aos 9 meses, foi doado a amigos, donos de um sítio na Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais. A fera, já no tamanho de um bezerro, implicava com a matriarca do clã: ''Mamãe morria de medo e ele parecia saber. Quando a via, pulava em cima. Não tive outra opção a não ser dá-lo. Mas o leão é inesquecível''.

     Casada há 40 anos com o discreto publicitário Raimundo Ribeiro, que prefere que a mulher fale em nome da família, Silvana é uma mulher de muitos talentos: cozinheira, geógrafa, tradutora, estudante de grego, leitora bissexta de livros de história. Mas sua maior qualidade, garante, é ser uma valente ''mamma'' e ''nonna''. Para defender os filhos e os netos enfrenta qualquer briga. Sem medo e sem nunca pensar em se render.


                                       
          Por Angela Dutra de Menezes, encontrado em: http://contigo.abril.com.br/reportagem/gente-historia-silvana-bianchi-589754.shtml

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